09 outubro 2006

Nada é como era

Não quero parecer saudosista, até porque nem tenho idade para tanto, mas a verdade inquestionável dos nossos dias é que tudo mudou... e nem sempre para melhor.
Vivemos num mundo cada vez mais global, mas por outro lado, cada vez mais individualista e hipócrita.
Li esta crónica e fiquei "chocada" ao perceber os extremos em que esta sociedade de hoje se coloca, aos olhos de uma senhora reformada, a quem a vida já não lhe promete muito.
Então aqui fica:
“A MULHER sentou-se ao meu lado e disse, você deve estar habituada a que se dirijam a si porque aparece na televisão mas eu não a quero incomodar só queria que me desse cinco minutos e me ouvisse porque eu faço parte daquelas pessoas que não têm voz e como você escreve no jornal e tem um programa pode talvez interessar-se por alguém que nunca pode dizer o que pensa, eu só tenho a opinião dentro da minha cabeça. Você uma vez escreveu sobre as pessoas invisíveis e eu faço parte das pessoas invisíveis. E eu não digo anónimas, Anónimas são aqueles que existem e não são conhecidas, invisíveis são as que existem e ninguém quer saber. (…)
Dantes as pessoas nasciam e morriam em lugares conhecidos, e ninguém lhes prolongava a vida. As coisas duravam, estavam seguras, eram para a vida até à morte. Tudo naquele tempo era vitalício, as promessas eram para manter, não nos mentiam tanto, e podia-se contar com as pessoas. Vivíamos sem televisão e não nos fazia grande falta. Havia talvez mais medo do que há hoje, mas havia menos solidão, muito menos solidão. Hoje há outro medo, o medo das incertezas. No meu bairro toda a gente se conhecia, o merceeiro que vendia fiado, a capelista, o sapateiro, a padeira, não eram as lojas eram as pessoas e toda a gente sabia o nome de toda a gente e as pessoas ficavam no seu lugar até morrerem. Havia uma continuação. Não me estou a queixar, não era de esperar que tudo continuasse sempre assim. Estou um bocado cansada deste mundo onde ainda por aqui ando, onde tudo muda todo o tempo e ninguém consegue perceber o que se passa. (…)
Eu não me quero meter com a democracia, mas já reparou que em menos de 50 ano, e eu não tenho muito mais de 50 anos, todo o meu mundo desapareceu? Nada é seguro. Sabe qual é o meu medo agora? Dantes era cair no chão e partir um osso e ficar numa cama sem ninguém para cuidar de mim, agora é o medo de que me tirem o que tenho, a minha rotina, as minhas certezas. Num dia vem um ministro e diz que acabaram as reformas, no outro dias vem outro e diz que temos de pagar as consultas no centro de saúde e no hospital, no outro dia vem outro e que eu devo mais impostos e mais taxas e a minha pensão pode acabar. Vive-se mais tempo mas uma grande desse tempo é passada nos médicos e o dinheiro todo vai para a farmácia, portanto não sei se é uma vantagem viver mais tempo, dantes morria-se como deve ser, hoje é só hospitais e uma pessoa é maltratada nos hospitais. (…)
As máquinas deram cabo das pessoas, carros por todo o lado, e eu que nunca tive carro sinto-me assustada quando saio à rua. Com a minha bengala, nunca se sabe se eles vão parar. O que lhe digo, já que falou das pessoas invisíveis, é que os velhos neste país são invisíveis. Estão À espera que morram. Vivo num país de velhos, mas ninguém quer os velhos para nada. Não há respeito. Somos as vítimas da mania do futuro e dos jovens. E sabe uma coisa?
Todos acabamos velhos. Ou morremos antes.”
Clara Ferreira Alves, na crónica Pluma Caprichosa, do Jornal Expresso

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