15 maio 2006

O Tibet e a reencarnação


Uma crónica interessante sobre reencarnação. Mesmo para os mais cépticos.
Foi escrita por Paulo Coelho e saíu no Jornal Globo - Brasil.
“Ao ser perguntado pelo jornalista Mick Brown se era a reencarnação dos Dalai Lamas anteriores, o actual Dalai Lama respondeu:
- É um tema muito complicado. Algumas pessoas se reencarnam, outras são apenas símbolos do ser que desencarnou. Através das minhas vidas anteriores eu penso que sempre tive um laço forte com o meu povo, e todo o meu trabalho espiritual se manifesta naquilo que eu posso fazer para trazer de novo a liberdade ao meu país.

Ou seja: O Dalai Lama não respondeu nem “sim” nem “não”. Entretanto, de acordo com os ensinamentos do budismo tibetano, a nossa consciência subtil – que existe em todos os seres humanos, mas normalmente está sempre adormecida – permanece depois da morte. Nesta consciência subtil foram arquivadas todas as acções, gestos e intenções da vida que acaba de terminar; tudo isso, depois de permanecer algum tempo no espaço vazio, termina por encontrar de novo sua forma física em um novo corpo.
O povo tibetano procura arquivar nesta consciência subtil (uma variação daquilo que conhecemos como alma) uma série de comportamentos que ajudarão na próxima vida. Quanto mais vezes repetir a tarefa, mais forte será a marca deixada – desta maneira, os rituais religiosos são quase diários.
Mick Brown diz que nossa cultura não aceita a ideia de que uma consciência subtil possa permanecer desmaterializada para logo em seguida manifestar-se de novo. Entretanto, Peter Kedge acredita que os talentos naturais que vemos em certas crianças – como o dom da música, ou da matemática – são resultados de uma consciência que já viveu antes, e agora manifesta-se de novo.
No Tibet, não apenas esta consciência é propositadamente desenvolvida, mas também, quando um mestre morre, procura deixar pistas para que seu próximo corpo seja logo reconhecido.
Um dos casos actuais mais conhecidos é o do menino espanhol Osel, hoje com 11 anos de idade e vivendo no norte da Índia. Em 1935 nasceu o Lama Yeshe, que passou sua vida estudando o misticismo tibetano, foi exilado durante a invasão chinesa, e terminou seus dias na California. No dia de sua morte, chamou seu discípulo favorito e disse que desta vez iria reencarna-se no Ocidente. Passaram-se alguns anos, e o discípulo sonhou com Yeshe, pedindo que agora fosse procura-lo.
Assim foi: visitando os diversos monastérios fundados pelo seu mestre, terminou na cidade de Bubion, no sul da Espanha, onde encontrou um menino que tinha nascido no dia exacto do seu sonho. Mostrou ao garoto uma série de sinos e colares de contas; o menino, então com 2 anos, seleccionou exactamente os que tinham pertencido ao Lama Yeshe – sendo proclamado como sua reencarnação, e levado para um mosteiro para ser educado segundo os ritos tibetanos.
O antecessor do actual Dalai Lama indicou onde deveria renascer. Três ou quatro anos após sua morte, monges foram até uma aldeia na parte leste do Tibet, e encontraram uma criança que correspondia à descrição. Esta criança – O actual Dalai Lama - foi levada até o palácio de Potala, em Lhasa. Assim que chegou, começou a caminhar pelo palácio com bastante naturalidade, e em dado momento viu uma caixa.
- Meus dentes estão ali – disse.
Na verdade, a caixa continha a dentadura postiça do seu predecessor.

A vaga resposta dada pelo Dalai Lama ao jornalista Mick Brown tem sua razão: todos os grandes mestres tibetanos sempre deixam marcas semelhantes ao exemplo acima, mas é impossível verifica-las ou autentica-las fora do contexto cultural. Isso resultou numa série de falsos mestres pipocando em diferentes pontos do planeta, garantindo que pertenciam a uma linhagem de verdadeiros sábios, mas cujo único propósito era reunir um grupo de discípulos que pudessem colaborar financeiramente para o seu bem-estar.

O irmão do Dalai Lama, Tenzin Choegyal, comenta:
“Como tibetano, eu acredito na reencarnação do homem. Mas o Ocidente parece apenas se preocupar com o exotismo de nossos costumes - como os oráculos, os rituais e a cerimônias. Nada disso tem importância: o ideal máximo, o milager do Budismo, é permitir que qualquer ser humano com o coração vazio, possa transformar-se numa pessoa repleta de amor e compaixão.”

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