01 março 2007

Que voz seria?



para Sophia, in memoriam

Meia-noite! Navegamos para sul. Digo meia-noite
sem escutar no relógio. Só o tecto da noite, no qual
o meu olhar quanto descobre a esta hora me remete.
Precisa ou imprecisa é uma fronteira.

Digo: Meia-noite! E poderia ser, ou será, a hora
inaugural do dia, canto primeiro do começo.
Na camarinha esqueço a vigia. Não importa mais
que hora será agora. Só o nome

do oceano que atravessamos. Isso me basta.

Todo o navio dorme. Assim me parece. O silêncio
desceu repentinamente. Ou será que, encerrado
em mim mesmo, dele pareço ausente?

É o exacto silêncio da meia-noite. Causa medo,
mais que o mar, ou os lugares desertos do navio,
como a ré, onde se escutam vozes na escuridão.
Assumem contornos de esfinge. Que vozes serão?

Repito: Meia-noite! Já não sei se é para sul
que segue o meu navio. Porque não uma ilha
onde, obstinadamente, os gestos das árvores,
ou a voz interior viessem lembrar
- Estou de passagem!



(Inédito. Praia da Agudela, 3 de Julho de 2004)


Este é um poema de Ivo Machado, um poeta açoriano que se fixou no Porto e que por coincidências da vida tive o previlégio de conhecer.

Tem uma obra magnífica em vários livros publicados, provando que o ser ilhéu oferece uma profundidade de escrita e de pensamento, que só mesmo os açorianos poderão alcançar ou até perceber...

1 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

O Ivo Machado é um dos melhores poetas da actualidade. Infelizmente penso que a história ainda não lhe deu o lugar de destaque que ele merece mas tenho a certeza que, dentro de alguns anos a figura dele será indissociável da boa poesia portuguesa.
De resto com o grande poeta, coabita também um homem especialmente sensível.
Obrigada por teres trazido aqui um homem desta dimensão.
Beijinhos da
Luana

quarta-feira, 07 março, 2007  

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