31 agosto 2009
26 agosto 2009
24 agosto 2009
Viver em ti
António Ramos Rosa, em “Clareias”
21 agosto 2009
O amor dos homens
(...)
Vejo a redoma de ar
Que te circunda – o espaço
Que separa os nossos tempos. Tua forma
É outra: bela demais, talvez, para poder
Ser totalmente minha. Tua respiração
Obedece a um ritmo diverso. Tu és mulher.
Tu tens seios e lágrimas e pétalas. À tua volta
O ar se faz aroma. Fora de mim
És pura imagem; em mim
És como um pássaro que eu subjugo, como um pão
Que eu mastigo, como uma secreta fonte entreaberta
Em que bebo, como um resto de nuvem
Sobre que me repouso. Mas nada
Consegue arrancar-te à tua obstinação
Em ser, fora de mim - e eu sofro, amada
De não me seres mais. Mas tudo é nada.
Vinicius de Moraes em “O Operário em Construção e Outros Poemas”
20 agosto 2009
19 agosto 2009
18 agosto 2009
A boca que desejo...
"Toco a tua boca, com um dedo toco o contorno da tua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a tua boca se entreabrisse e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e te desenha no rosto, uma boca eleita entre todas, com soberana liberdade eleita por mim para desenhá-la com minha mão em teu rosto e que por um acaso, que não procuro compreender, coincide exatamente com a tua boca que sorri debaixo daquela que a minha mão te desenha."
Julio Cortázar
17 agosto 2009
14 agosto 2009
A carta da paixão
Nenhuma
estação é lenta quando te acrescentas na desordem, nenhum
astro
é tao feroz agarrando toda a cama. Os poros
do teu vestido.
As palavras que escrevo correndo
entre a limalha. A tua boca como um buraco luminoso,
arterial.
E o grande lugar anatómico em que pulsas como um lençol lavrado.
A paixão é voraz, o silêncio
alimenta-se
fixamente de mel envenenado. E eu escrevo-te
toda
no cometa que te envolve as ancas como um beijo.
Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que crescem
nos quartos.
É de ouro a paisagem que nasce: eu torço-a
entre os braços. E há roupas vivas, o imóvel
relâmpago das frutas. O incêndio atrás das noites corta
pelo meio
o abraço da nossa morte. Os fulcros das caras
um pouco loucas
engolfadas, entre as mãos sumptuosas.
A doçura mata.
A luz salta às golfadas.
A terra é alta.
Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões
da madeira fria. És uma faca cravada na minha
vida secreta. E como estrelas
duplas
consanguíneas, luzimos de um para o outro
nas trevas.
Herberto Helder
PHOTOMATON & VOX
13 agosto 2009
Do mar para terra
Impreparado ainda
te procuro na sombra.
Venho adiante,
proa que deslizas,
maré que me renova.
Destroçado, um torso
lavado e límpido,
da própria água obscura,
eis o que à praia jogo,
na líquida impulsão,
atirado na areia,
de sede mais ardente.
E na água me envolvo
me afundo, corpo novo,
e movimento, abraço
e me confundo e abarco,
os nomes me atravessam,
outros nomes procuro,
iguais ao dia que desejo,
à mulher que ondula
e da salsugem surge,
mais branca, mais real.
António Ramos Rosa in "Animal Olhar"
12 agosto 2009
11 agosto 2009
10 agosto 2009
A nudez da palavra
A nudez da palavra que te despe.
Que treme, esquiva.
Com os olhos dela te quero ver,
que te não vejo.
Boca na boca através de que boca
posso eu abrir-te e ver-te?
É meu receio que escreve e não o gosto
do sol de ver-te?
Todo o espaço dou ao espelho vivo
e do vazio te escuto.
Silêncio de vertigem, pausa, côncavo
de onde nasces, morres, brilhas, branca?
És palavra ou és corpo unido em nada?
É de mim que nasces ou do mundo solta?
Amorosa confusão, te perco e te acho,
à beira de nasceres tua boca toco
e o beijo é já perder-te.
António Ramos Rosa in “Respirar a sombra viva”
07 agosto 2009
06 agosto 2009
05 agosto 2009
04 agosto 2009
Entre margens
“Ainda não estou, mas já me sinto em ti.
Ainda não estou, mas já me viciei no teu corpo por encontrar, no teu prazer imediato e intranquilo, mas sempre intenso como tu. Já me vejo entre os teus braços, em noites de soluços de prazer. Já me sinto a arder de luxúria, quando nos abraçamos na noite das mil e uma ilusões. Quero ser a tua musa, a tua estrela polar, o teu número da sorte. Quero ser a tua amiga, irmã, companheira, a amante voluptuosa e louca que desejas com o corpo sem a alma saber. Quero que te rendas ao prazer comigo, que faças poemas sem nome nas noites de insónia, que me sintas dentro e fora de ti a vibrar sempre ao som de ti.”
Gabriela Silva em “Entre margens de afectos”